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domingo, 21 de dezembro de 2014

Marquês de Pombal

Portugal e Brasil nunca mais foram os mesmos depois do governo do marquês, entre 1750 e 1777. Impiedoso, ele modernizou o arcaico império português. Odiado, acabou morrendo no ostracismo

Haroldo Ceravolo Sereza e Joana Monteleone | 01/07/2006 00h00








Em 1723, o português Sebastião José de Carvalho e Melo raptou Teresa de Noronha e Bourbon Mendonça e Almada, uma formosa viúva pertencente à mais alta elite de seu país. Casaram-se contra a vontade da família dela, que não via com bons olhos sua união com um obscuro membro da pequena nobreza. O matrimônio não gerou filhos, mas foi uma amostra da ousadia do homem que mudaria o destino de Portugal. O futuro marquês de Pombal era tudo, menos um romântico sonhador. Da mesma maneira que traçou com mão de ferro as linhas de sua vida pessoal, Carvalho e Melo conduziu os portugueses após um dos mais terríveis desastres naturais da história da humanidade: o terremoto de Lisboa, que devastou a capital portuguesa em 1755.

A figura do marquês entrou de modo ambíguo nos livros de história. Ora retratado como déspota esclarecido, ora como ditador sanguinário, muitos foram os adjetivos usados para descrever o poderoso ministro, que comandou Portugal durante o reinado de José I. Ninguém questiona, entretanto, o fato de que Pombal tornou-se um marco na história do império português – que, na época, incluía o Brasil. Nascido em 1699, Carvalho e Melo não deu mostras na juventude de que seria um grande líder. Por influência de seu tio Paulo de Carvalho, que dava aula na Universidade de Coimbra, ele conseguiu se matricular naquela instituição. Mas logo abandonou os estudos para entrar no exército, onde não conseguiu passar do posto de cabo. Desiludido, decidiu estudar Direito e História – o que lhe rendeu, aos 34 anos, um posto na Academia Real da História.

Depois do casamento, Carvalho e Melo se mudou de Lisboa para a vila de Soure, onde a família de Teresa tinha propriedades. Em 1738, graças a uma indicação do tio, ele conseguiu o posto de embaixador português na Inglaterra. Sua esposa, muito doente, não pôde acompanhá-lo e acabou morrendo no ano seguinte. Carvalho e Melo ficou na Grã-Bretanha por cinco anos, onde se mostrou um grande negociador e aproveitou para conhecer a fundo as instituições inglesas. Retornou a Portugal e, em 1745, foi enviado como diplomata à Áustria. Lá, casou-se pela segunda vez, desposando a condessa Maria Leonor Ernestina Daun.

O segundo casamento de Carvalho e Melo, abençoado pela imperatriz austríaca Maria Tereza, permitiu-lhe subir mais um degrau no complicado jogo de xadrez da corte portuguesa. Ao ver o ambicioso político se casar com uma conterrânea, a esposa de João V, Ana da Áustria, resolveu torná-lo seu protegido. Em 1749, após assumir o governo por causa do péssimo estado de saúde do rei, ela convocou Carvalho e Melo de volta a Portugal para fazer parte do ministério. Aos 50 anos, ele assistia ao início do auge de sua vida pública.

Com a morte de João V, em 1750, José I assumiu o trono e tomou as rédeas de um dos maiores e mais ricos impérios da Europa. Teve medo e, em vez de encarar a tarefa, preferiu a vida fácil das óperas e das caçadas. Deixou o trabalho pesado de governar nas mãos de seus assessores. Foi quando Carvalho e Melo tomou posse no cargo de secretário dos Negócios Estrangeiros, um dos três ministérios que concentravam as decisões do reino. Seus trunfos eram a experiência diplomática e um círculo de amigos que incluía eminentes cientistas, em especial membros da comunidade de expatriados portugueses – muitos deles tinham sido forçados a deixar o país por causa da Inquisição.

Quando dois terços de Lisboa ruíram com o terremoto, a situação ficou tão caótica que José I transferiu praticamente todo o poder para as mãos de seu ministro predileto. Carvalho e Melo coordenou o socorro às vítimas e rapidamente iniciou a reconstrução da cidade – afinal, era preciso que “se cuidasse dos vivos e se enterrassem os mortos”, conforme ele teria dito na ocasião. Em 1759, quando foi nomeado conde de Oeiras, o ministro já tinha se tornado praticamente um governante absoluto. O título sob o qual seria eternizado, marquês de Pombal, lhe foi dado por José I em 1769.

Lá e cá

Portugal dependia das riquezas brasileiras para sustentar os gastos luxuosos da corte. Em 1755, um jovem membro da Armada francesa, Chevalier des Courtils, resumiu a situação em seu diário de viagem: “Portugal é mais uma província do que um reino. Pode-se dizer que o rei de Portugal é um potentado das Índias que habita em terras européias”. E prosseguiu, atribuindo a grandeza do país apenas às suas colônias: “Os Estados vastos e ricos sob sua soberania no Novo Mundo, como o Brasil, o Rio de Janeiro, Bahia de Todos os Santos, Goa, a Madeira na África e os Açores na Europa, tornaram-no um príncipe considerável e colocaram-no entre as grandes potências européias, se considerarmos o valor de suas possessões”.

A dependência da metrópole com relação ao Brasil tornou-se tão aguda no século 18 que Luís da Cunha, um dos diplomatas e pensadores políticos portugueses mais influentes no período, anteviu a transferência da corte para o Rio de Janeiro (que ocorreria no século seguinte). Segundo ele, o rei tomaria o título de “Imperador do Ocidente” e nomearia um vice-rei para governar Lisboa. “É mais seguro e conveniente estar onde há abundância de tudo do que onde é preciso esperar pelo que se quer”, escreveu. Foi Pombal, aliás, quem tirou a sede do governo-geral brasileiro de Salvador, transferindo-a para o Rio em 1763.

Estava claro, portanto, que era preciso reorganizar todo o império para fazer frente à ascensão das outras potências européias. As chamadas “reformas pombalinas” mudaram drasticamente a economia do reino e das colônias. Inspirado em modelos mercantilistas ingleses, franceses e holandeses, Pombal criou várias companhias de comércio a partir de 1753: da Ásia, do Grão-Pará e Maranhão, da Pesca das Baleias, das Vinhas do Alto Douro e de Pernambuco e Paraíba. Controladas pelo Estado, elas comandavam as atividades econômicas e monopolizavam os negócios. A das Vinhas do Alto Douro, por exemplo, controlava a produção e a venda do vinho do Porto – produto do qual os ingleses eram os principais compradores.

No Brasil, a gestão de Pombal estimulou a diversificação agrícola. A colônia, que se dedicava essencialmente à produção de açúcar, passou a plantar mais arroz, tabaco, algodão e cacau. Ele também foi responsável pelo aumento na arrecadação de impostos sobre o garimpo – medida cada vez mais impopular, principalmente quando o ouro de Minas Gerais começou a se exaurir, a partir de 1760. Empenhado em taxar todas as riquezas que eram retiradas do solo brasileiro, Pombal aumentou a fiscalização nas capitanias (principalmente nos portos exportadores).

Nenhuma reforma de Pombal, no entanto, foi tão polêmica e tão importante quanto a expulsão dos membros da Companhia de Jesus, os chamados jesuítas, de Portugal, do Brasil e das outras colônias. Quando Pombal assumiu o governo, Lisboa era uma cidade rica, mas carola e conservadora. A maioria dos filósofos e escritores iluministas do século 18, quando precisava de um exemplo de superstição e atraso, recorria a Portugal. Voltaire chegou a escrever, sobre o governo de João V: “Quando queria uma festa, ordenava um desfile religioso. Quando queria uma construção nova, erguia um convento. Quando queria uma amante, arrumava uma freira” (de fato, João V teve inúmeros relacionamentos com religiosas).

A medida contra os jesuítas foi o ponto de partida de uma enorme mudança no sistema educacional, antes controlado por eles. Em 1759, Pombal criou a Aula de Comércio, escola destinada a formar homens capazes de atualizar as antigas práticas comerciais. No ano seguinte, tentou tornar os filhos da nobreza mais qualificados para exercer as altas funções do governo, fundando o Colégio dos Nobres – que foi um fracasso. Inspirado nas idéias iluministas, que circulavam havia muitos anos no resto da Europa, reformulou, a partir de 1772, a Universidade de Coimbra (onde costumavam estudar membros da elite colonial brasileira): tornou-a mais pragmática, valorizando as ciências naturais e criando a Faculdade de Filosofia e Matemática. No Brasil, carente de escolas, Pombal unificou a língua, tornando o português obrigatório em todo o território.

A queda

No período em que esteve no topo, Pombal acumulou poder, riquezas e inimigos. Com seus opositores, ele foi implacável: alguns foram condenados à prisão, outros, à morte. O caso mais emblemático de sua gestão foi a execução do marquês e da marquesa de Távora e do duque de Aveiro, em 1759, acusados de tramar um atentado fracassado contra José I no ano anterior. Ao permitir que eles fossem condenados à morte, Pombal deixou claro que seu poder não se sujeitava às antigas convenções e conchavos da política de Lisboa. Diante do ímpeto de Pombal, ser nobre não significava estar seguro.

Enquanto José I reinou, Pombal foi soberano. Mas, após a morte do monarca, em novembro de 1776, seu poder ruiu. Rapidamente, seus inimigos conseguiram neutralizar sua influência na corte. Demitido por decreto real no ano seguinte, acuado e sem apoio, Pombal foi forçado a abandonar a capital e partir para sua propriedade em Oeiras. A regente, a rainha dona Maria I (a mãe de João VI, que ficaria conhecida como “a Louca”), atendendo às solicitações do povo, proibiu o ex-ministro de sair de sua propriedade. A reclusão, entretanto, não foi suficiente para acalmar a reação dos nobres e populares que, durante anos, haviam tido que aceitar sua tirania. Muitos dos que haviam colaborado com o governo de Pombal foram exilados, presos, torturados ou mortos. Nas ruas de Lisboa, ecoavam palavras de ordem como: “Patrícios meus, clamai sobre o tirano/ saiba o mundo que foi o tal marquês/ ladrão, traidor, cruel e desumano”.

Renegado até pelos filhos, sozinho na enorme casa semi-abandonada, não tardou para que Pombal adoecesse. Velho e com lepra, ele lutou com abnegação nos processos movidos contra ele nos tribunais. Ainda possuía forças para escrever em sua própria defesa – incluindo nos textos vários elogios à monarca, numa vã tentativa de agradá-la. Em maio de 1782, ele descreveu seu estado numa declaração pública: “Presentemente me acho quase todo entrevado, sem poder pôr os pés no chão, nem sustentar-me sobre as pernas”. Cheio de dores e feridas no corpo, Pombal morreu logo depois, no dia 8 de agosto. Antes que seu corpo fosse embalsamado, passou por uma autópsia, assim descrita pelo historiador português João Lúcio de Azevedo em O Marquês de Pombal e a sua Época: “O coração, que abrigara tantos ódios, hipertrofiado, era enorme; o cérebro, onde nasceram ambições, também era volumoso”.

Até a invasão napoleônica de Portugal, no início do século 19, a memória de Pombal ficou no ostracismo. Mas, após João VI e sua corte transferirem para o Rio de Janeiro a sede do reino, em 1808, muitos portugueses com orgulho ferido recuperaram a imagem do ministro – como um grande líder que fora capaz de conduzir a nação.

Terremoto arrasou Lisboa na época do marquês
O primeiro dia de novembro de 1755 brindou Lisboa com uma linda manhã de outono. O ar estava tépido e as igrejas, apinhadas de gente – era o dia de Todos os Santos. “Súbito, um ronco vaporoso, enorme trovão subterrâneo. Cavalgada de ciclopes, que se aproxima em doida correria, arrastar de carros gigantes nos abismos da terra. Nos altares, oscilavam as imagens; as paredes bailam; dessoldam-se traves e colunas; ruem paredes, com o abafado som da caliça que esboroa, e de corpos humanos esmagados; no chão, onde os mortos repousam, aluem-se os covais para tragar os vivos.” Na descrição clássica do historiador português João Lúcio de Azevedo, o terremoto de Lisboa alcança todo seu terror e magnitude. Um dos maiores desastres naturais na história, o evento intrigou filósofos e cientistas durante o século 18 e marcou a ascensão do marquês de Pombal. Acuado e com medo das hordas famintas de sobreviventes, o rei, José I, de seu palácio em Belém, deu plenos poderes ao único de seus ministros que se mostrou capaz de lidar com a tragédia. Pombal não perdeu tempo. Ordenou que os saqueadores fossem sumariamente enforcados, fixou os preços dos alimentos e do material de construção nos níveis anteriores ao desastre e fez com que os corpos das vítimas fossem amarrados a pesos e jogados no oceano. Calcula-se que entre 8 mil e 30 mil pessoas tenham morrido na tragédia. Quem sobreviveu ao tremor teve de enfrentar o maremoto que veio depois – segundo escreveu o então cônsul britânico em Portugal, Edward Hay, as águas “elevaram-se de 6 a 9 metros”. As perdas materiais foram incalculáveis. O Real Teatro da Ópera, terminado no mês anterior, ficou em ruínas. Trinta e cinco igrejas desabaram sobre os fiéis que rezavam – o tremor ocorreu bem no horário da missa. Em uma única mansão da cidade, perderam-se 200 pinturas (incluindo um Ticiano e um Rubens) e uma biblioteca com aproximadamente 18 mil volumes. Depois do socorro às vítimas, Pombal convocou engenheiros e topógrafos e tratou logo de reconstruir a cidade. Lisboa, depois das ações do marquês, tornou-se um exemplo da arquitetura iluminista: traçados retos substituíram as antigas vielas medievais e edificações monumentais foram erguidas para sediar a administração pública. A Biblioteca Real foi reorganizada, a partir de aquisições de livros, mapas e documentos em toda a Europa. Quando a corte portuguesa veio para o Brasil, em 1808, o acervo foi trazido para o Rio de Janeiro – e a maior parte dele ainda está lá, guardada na Biblioteca Nacional.

Cruzada antijesuítica

Vista como obstáculo às reformas, ordem foi expulsa do império em 1759
Para fortalecer seu governo absolutista, o marquês de Pombal comprou algumas boas brigas. A maior delas provavelmente foi contra a Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada na França em 1534. Pombal não nutria exatamente um sentimento anti-religioso. Buscava reduzir a influência do grupo, a parte mais poderosa da Igreja em Portugal. O ministro saiu vitorioso e, em 1759, conseguiu expulsar os jesuítas de todo o império português. A medida teve enorme repercussão no Brasil. No ano da expulsão, os 670 membros da Companhia de Jesus que viviam aqui comandavam as principais instituições educacionais da colônia: os colégios jesuíticos. 

Além disso, os jesuítas mantinham sob sua tutela milhares de índios – só nas missões guaranis, que ocupavam um território hoje dividido entre Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, chegaram a viver mais de 140 mil pessoas. Um dos argumentos usados por Pombal contra a ordem religiosa foi a recusa de jesuítas espanhóis em obedecer ao Tratado de Madri, de 1750, que os obrigava a entregar a Portugal as missões a oeste do atual Rio Grande do Sul. Segundo o marquês, os jesuítas incentivaram os índios a mergulhar numa rebelião contra os europeus que só seria controlada em 1767. No norte da América portuguesa, os religiosos bateram de frente com o governador do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Pombal. 

Organizados pelos jesuítas, os índios muitas vezes se recusavam a se submeter às necessidades da coroa. A expulsão da Companhia de Jesus foi acompanhada por uma vingança pessoal. Pombal denunciou o padre Gabriel Malagrida à Igreja por heresia, se aproveitando do fato de que outro de seus irmãos, Paulo de Carvalho e Mendonça, era o inquisidor-mor de Portugal. Malagrida (que havia fundado o seminário Nossa Senhora das Missões, no Pará) era o maior inimigo do ministro entre os jesuítas. Condenado, o religioso foi enforcado e queimado em 21 de setembro de 1761. Mesmo fora de Portugal, a ordem religiosa não foi deixada em paz por Pombal: continuou sofrendo com seus ataques, agora no campo diplomático. Em 1773, a Companhia de Jesus acabou extinta pelo papa Clemente XIV. Ela seria restabelecida em 1814, mas sem o mesmo poder político de antes.

Saiba mais

Livros
Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo, Kenneth Maxwell, Paz e Terra, 1996 - Maxwell é um dos “brasilianistas” mais influentes da atualidade. Neste livro, ele procura mostrar como Pombal modernizou, com mão de ferro, Portugal e Brasil.
O Marquês de Pombal e a sua Época, João Lúcio de Azevedo, Alameda , 2004 - O autor, português, viveu muitos anos no Brasil. Esta biografia, cuja mais recente edição foi publicada pelos autores desta matéria, é considerada um clássico entre os especialistas.
O Mal sobre a Terra, Mary del Priore, Topbooks, 2003 - A visão de uma historiadora brasileira sobre o terremoto que abalou Lisboa e suas consequências.

Fonte: Aventuras na História

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