Portugal e Brasil nunca mais foram os mesmos depois do governo do marquês, entre 1750 e 1777. Impiedoso, ele modernizou o arcaico império português. Odiado, acabou morrendo no ostracismo
Haroldo Ceravolo Sereza e Joana Monteleone | 01/07/2006 00h00
Em 1723, o português Sebastião José de Carvalho e Melo raptou
Teresa de Noronha e Bourbon Mendonça e Almada, uma formosa viúva
pertencente à mais alta elite de seu país. Casaram-se contra a vontade
da família dela, que não via com bons olhos sua união com um obscuro
membro da pequena nobreza. O matrimônio não gerou filhos, mas foi uma
amostra da ousadia do homem que mudaria o destino de Portugal. O futuro
marquês de Pombal era tudo, menos um romântico sonhador. Da mesma
maneira que traçou com mão de ferro as linhas de sua vida pessoal,
Carvalho e Melo conduziu os portugueses após um dos mais terríveis
desastres naturais da história da humanidade: o terremoto de Lisboa, que
devastou a capital portuguesa em 1755.
A figura do marquês entrou de modo ambíguo nos livros de história.
Ora retratado como déspota esclarecido, ora como ditador sanguinário,
muitos foram os adjetivos usados para descrever o poderoso ministro, que
comandou Portugal durante o reinado de José I. Ninguém questiona,
entretanto, o fato de que Pombal tornou-se um marco na história do
império português – que, na época, incluía o Brasil. Nascido em 1699,
Carvalho e Melo não deu mostras na juventude de que seria um grande
líder. Por influência de seu tio Paulo de Carvalho, que dava aula na
Universidade de Coimbra, ele conseguiu se matricular naquela
instituição. Mas logo abandonou os estudos para entrar no exército, onde
não conseguiu passar do posto de cabo. Desiludido, decidiu estudar
Direito e História – o que lhe rendeu, aos 34 anos, um posto na Academia
Real da História.
Depois do casamento, Carvalho e Melo se mudou de Lisboa para a vila
de Soure, onde a família de Teresa tinha propriedades. Em 1738, graças a
uma indicação do tio, ele conseguiu o posto de embaixador português na
Inglaterra. Sua esposa, muito doente, não pôde acompanhá-lo e acabou
morrendo no ano seguinte. Carvalho e Melo ficou na Grã-Bretanha por
cinco anos, onde se mostrou um grande negociador e aproveitou para
conhecer a fundo as instituições inglesas. Retornou a Portugal e, em
1745, foi enviado como diplomata à Áustria. Lá, casou-se pela segunda
vez, desposando a condessa Maria Leonor Ernestina Daun.
O segundo casamento de Carvalho e Melo, abençoado pela imperatriz
austríaca Maria Tereza, permitiu-lhe subir mais um degrau no complicado
jogo de xadrez da corte portuguesa. Ao ver o ambicioso político se casar
com uma conterrânea, a esposa de João V, Ana da Áustria, resolveu
torná-lo seu protegido. Em 1749, após assumir o governo por causa do
péssimo estado de saúde do rei, ela convocou Carvalho e Melo de volta a
Portugal para fazer parte do ministério. Aos 50 anos, ele assistia ao
início do auge de sua vida pública.
Com a morte de João V, em 1750, José I assumiu o trono e tomou as
rédeas de um dos maiores e mais ricos impérios da Europa. Teve medo e,
em vez de encarar a tarefa, preferiu a vida fácil das óperas e das
caçadas. Deixou o trabalho pesado de governar nas mãos de seus
assessores. Foi quando Carvalho e Melo tomou posse no cargo de
secretário dos Negócios Estrangeiros, um dos três ministérios que
concentravam as decisões do reino. Seus trunfos eram a experiência
diplomática e um círculo de amigos que incluía eminentes cientistas, em
especial membros da comunidade de expatriados portugueses – muitos deles
tinham sido forçados a deixar o país por causa da Inquisição.
Quando dois terços de Lisboa ruíram com o terremoto, a situação ficou
tão caótica que José I transferiu praticamente todo o poder para as
mãos de seu ministro predileto. Carvalho e Melo coordenou o socorro às
vítimas e rapidamente iniciou a reconstrução da cidade – afinal, era
preciso que “se cuidasse dos vivos e se enterrassem os mortos”, conforme
ele teria dito na ocasião. Em 1759, quando foi nomeado conde de Oeiras,
o ministro já tinha se tornado praticamente um governante absoluto. O
título sob o qual seria eternizado, marquês de Pombal, lhe foi dado por
José I em 1769.
Lá e cá
Portugal dependia das riquezas brasileiras para sustentar os gastos
luxuosos da corte. Em 1755, um jovem membro da Armada francesa,
Chevalier des Courtils, resumiu a situação em seu diário de viagem:
“Portugal é mais uma província do que um reino. Pode-se dizer que o rei
de Portugal é um potentado das Índias que habita em terras européias”. E
prosseguiu, atribuindo a grandeza do país apenas às suas colônias: “Os
Estados vastos e ricos sob sua soberania no Novo Mundo, como o Brasil, o
Rio de Janeiro, Bahia de Todos os Santos, Goa, a Madeira na África e os
Açores na Europa, tornaram-no um príncipe considerável e colocaram-no
entre as grandes potências européias, se considerarmos o valor de suas
possessões”.
A dependência da metrópole com relação ao Brasil tornou-se tão aguda
no século 18 que Luís da Cunha, um dos diplomatas e pensadores políticos
portugueses mais influentes no período, anteviu a transferência da
corte para o Rio de Janeiro (que ocorreria no século seguinte). Segundo
ele, o rei tomaria o título de “Imperador do Ocidente” e nomearia um
vice-rei para governar Lisboa. “É mais seguro e conveniente estar onde
há abundância de tudo do que onde é preciso esperar pelo que se quer”,
escreveu. Foi Pombal, aliás, quem tirou a sede do governo-geral
brasileiro de Salvador, transferindo-a para o Rio em 1763.
Estava claro, portanto, que era preciso reorganizar todo o império
para fazer frente à ascensão das outras potências européias. As chamadas
“reformas pombalinas” mudaram drasticamente a economia do reino e das
colônias. Inspirado em modelos mercantilistas ingleses, franceses e
holandeses, Pombal criou várias companhias de comércio a partir de 1753:
da Ásia, do Grão-Pará e Maranhão, da Pesca das Baleias, das Vinhas do
Alto Douro e de Pernambuco e Paraíba. Controladas pelo Estado, elas
comandavam as atividades econômicas e monopolizavam os negócios. A das
Vinhas do Alto Douro, por exemplo, controlava a produção e a venda do
vinho do Porto – produto do qual os ingleses eram os principais
compradores.
No Brasil, a gestão de Pombal estimulou a diversificação agrícola. A
colônia, que se dedicava essencialmente à produção de açúcar, passou a
plantar mais arroz, tabaco, algodão e cacau. Ele também foi responsável
pelo aumento na arrecadação de impostos sobre o garimpo – medida cada
vez mais impopular, principalmente quando o ouro de Minas Gerais começou
a se exaurir, a partir de 1760. Empenhado em taxar todas as riquezas
que eram retiradas do solo brasileiro, Pombal aumentou a fiscalização
nas capitanias (principalmente nos portos exportadores).
Nenhuma reforma de Pombal, no entanto, foi tão polêmica e tão
importante quanto a expulsão dos membros da Companhia de Jesus, os
chamados jesuítas, de Portugal, do Brasil e das outras colônias. Quando
Pombal assumiu o governo, Lisboa era uma cidade rica, mas carola e
conservadora. A maioria dos filósofos e escritores iluministas do século
18, quando precisava de um exemplo de superstição e atraso, recorria a
Portugal. Voltaire chegou a escrever, sobre o governo de João V: “Quando
queria uma festa, ordenava um desfile religioso. Quando queria uma
construção nova, erguia um convento. Quando queria uma amante, arrumava
uma freira” (de fato, João V teve inúmeros relacionamentos com
religiosas).
A medida contra os jesuítas foi o ponto de partida de uma enorme
mudança no sistema educacional, antes controlado por eles. Em 1759,
Pombal criou a Aula de Comércio, escola destinada a formar homens
capazes de atualizar as antigas práticas comerciais. No ano seguinte,
tentou tornar os filhos da nobreza mais qualificados para exercer as
altas funções do governo, fundando o Colégio dos Nobres – que foi um
fracasso. Inspirado nas idéias iluministas, que circulavam havia muitos
anos no resto da Europa, reformulou, a partir de 1772, a Universidade de
Coimbra (onde costumavam estudar membros da elite colonial brasileira):
tornou-a mais pragmática, valorizando as ciências naturais e criando a
Faculdade de Filosofia e Matemática. No Brasil, carente de escolas,
Pombal unificou a língua, tornando o português obrigatório em todo o
território.
A queda
No período em que esteve no topo, Pombal acumulou poder, riquezas e
inimigos. Com seus opositores, ele foi implacável: alguns foram
condenados à prisão, outros, à morte. O caso mais emblemático de sua
gestão foi a execução do marquês e da marquesa de Távora e do duque de
Aveiro, em 1759, acusados de tramar um atentado fracassado contra José I
no ano anterior. Ao permitir que eles fossem condenados à morte, Pombal
deixou claro que seu poder não se sujeitava às antigas convenções e
conchavos da política de Lisboa. Diante do ímpeto de Pombal, ser nobre
não significava estar seguro.
Enquanto José I reinou, Pombal foi soberano. Mas, após a morte do
monarca, em novembro de 1776, seu poder ruiu. Rapidamente, seus inimigos
conseguiram neutralizar sua influência na corte. Demitido por decreto
real no ano seguinte, acuado e sem apoio, Pombal foi forçado a abandonar
a capital e partir para sua propriedade em Oeiras. A regente, a rainha
dona Maria I (a mãe de João VI, que ficaria conhecida como “a Louca”),
atendendo às solicitações do povo, proibiu o ex-ministro de sair de sua
propriedade. A reclusão, entretanto, não foi suficiente para acalmar a
reação dos nobres e populares que, durante anos, haviam tido que aceitar
sua tirania. Muitos dos que haviam colaborado com o governo de Pombal
foram exilados, presos, torturados ou mortos. Nas ruas de Lisboa,
ecoavam palavras de ordem como: “Patrícios meus, clamai sobre o tirano/
saiba o mundo que foi o tal marquês/ ladrão, traidor, cruel e desumano”.
Renegado até pelos filhos, sozinho na enorme casa semi-abandonada,
não tardou para que Pombal adoecesse. Velho e com lepra, ele lutou com
abnegação nos processos movidos contra ele nos tribunais. Ainda possuía
forças para escrever em sua própria defesa – incluindo nos textos vários
elogios à monarca, numa vã tentativa de agradá-la. Em maio de 1782, ele
descreveu seu estado numa declaração pública: “Presentemente me acho
quase todo entrevado, sem poder pôr os pés no chão, nem sustentar-me
sobre as pernas”. Cheio de dores e feridas no corpo, Pombal morreu logo
depois, no dia 8 de agosto. Antes que seu corpo fosse embalsamado,
passou por uma autópsia, assim descrita pelo historiador português João
Lúcio de Azevedo em O Marquês de Pombal e a sua Época: “O coração, que
abrigara tantos ódios, hipertrofiado, era enorme; o cérebro, onde
nasceram ambições, também era volumoso”.
Até a invasão napoleônica de Portugal, no início do século 19, a
memória de Pombal ficou no ostracismo. Mas, após João VI e sua corte
transferirem para o Rio de Janeiro a sede do reino, em 1808, muitos
portugueses com orgulho ferido recuperaram a imagem do ministro – como
um grande líder que fora capaz de conduzir a nação.
Terremoto arrasou Lisboa na época do marquês
O primeiro dia de novembro de 1755 brindou Lisboa com uma linda manhã
de outono. O ar estava tépido e as igrejas, apinhadas de gente – era o
dia de Todos os Santos. “Súbito, um ronco vaporoso, enorme trovão
subterrâneo. Cavalgada de ciclopes, que se aproxima em doida correria,
arrastar de carros gigantes nos abismos da terra. Nos altares, oscilavam
as imagens; as paredes bailam; dessoldam-se traves e colunas; ruem
paredes, com o abafado som da caliça que esboroa, e de corpos humanos
esmagados; no chão, onde os mortos repousam, aluem-se os covais para
tragar os vivos.” Na descrição clássica do historiador português João
Lúcio de Azevedo, o terremoto de Lisboa alcança todo seu terror e
magnitude. Um dos maiores desastres naturais na história, o evento
intrigou filósofos e cientistas durante o século 18 e marcou a ascensão
do marquês de Pombal. Acuado e com medo das hordas famintas de
sobreviventes, o rei, José I, de seu palácio em Belém, deu plenos
poderes ao único de seus ministros que se mostrou capaz de lidar com a
tragédia. Pombal não perdeu tempo. Ordenou que os saqueadores fossem
sumariamente enforcados, fixou os preços dos alimentos e do material de
construção nos níveis anteriores ao desastre e fez com que os corpos das
vítimas fossem amarrados a pesos e jogados no oceano. Calcula-se que
entre 8 mil e 30 mil pessoas tenham morrido na tragédia. Quem sobreviveu
ao tremor teve de enfrentar o maremoto que veio depois – segundo
escreveu o então cônsul britânico em Portugal, Edward Hay, as águas
“elevaram-se de 6 a 9 metros”. As perdas materiais foram incalculáveis. O
Real Teatro da Ópera, terminado no mês anterior, ficou em ruínas.
Trinta e cinco igrejas desabaram sobre os fiéis que rezavam – o tremor
ocorreu bem no horário da missa. Em uma única mansão da cidade,
perderam-se 200 pinturas (incluindo um Ticiano e um Rubens) e uma
biblioteca com aproximadamente 18 mil volumes. Depois do socorro às
vítimas, Pombal convocou engenheiros e topógrafos e tratou logo de
reconstruir a cidade. Lisboa, depois das ações do marquês, tornou-se um
exemplo da arquitetura iluminista: traçados retos substituíram as
antigas vielas medievais e edificações monumentais foram erguidas para
sediar a administração pública. A Biblioteca Real foi reorganizada, a
partir de aquisições de livros, mapas e documentos em toda a Europa.
Quando a corte portuguesa veio para o Brasil, em 1808, o acervo foi
trazido para o Rio de Janeiro – e a maior parte dele ainda está lá,
guardada na Biblioteca Nacional.
Cruzada antijesuítica
Vista como obstáculo às reformas, ordem foi expulsa do império em 1759
Para fortalecer seu governo absolutista, o marquês de Pombal comprou
algumas boas brigas. A maior delas provavelmente foi contra a Companhia
de Jesus, ordem religiosa fundada na França em 1534. Pombal não nutria
exatamente um sentimento anti-religioso. Buscava reduzir a influência do
grupo, a parte mais poderosa da Igreja em Portugal. O ministro saiu
vitorioso e, em 1759, conseguiu expulsar os jesuítas de todo o império
português. A medida teve enorme repercussão no Brasil. No ano da
expulsão, os 670 membros da Companhia de Jesus que viviam aqui
comandavam as principais instituições educacionais da colônia: os
colégios jesuíticos.
Além disso, os jesuítas mantinham sob sua tutela
milhares de índios – só nas missões guaranis, que ocupavam um território
hoje dividido entre Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, chegaram a
viver mais de 140 mil pessoas. Um dos argumentos usados por Pombal
contra a ordem religiosa foi a recusa de jesuítas espanhóis em obedecer
ao Tratado de Madri, de 1750, que os obrigava a entregar a Portugal as
missões a oeste do atual Rio Grande do Sul. Segundo o marquês, os
jesuítas incentivaram os índios a mergulhar numa rebelião contra os
europeus que só seria controlada em 1767. No norte da América
portuguesa, os religiosos bateram de frente com o governador do Maranhão
e Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Pombal.
Organizados pelos jesuítas, os índios muitas vezes se recusavam a se
submeter às necessidades da coroa. A expulsão da Companhia de Jesus foi
acompanhada por uma vingança pessoal. Pombal denunciou o padre Gabriel
Malagrida à Igreja por heresia, se aproveitando do fato de que outro de
seus irmãos, Paulo de Carvalho e Mendonça, era o inquisidor-mor de
Portugal. Malagrida (que havia fundado o seminário Nossa Senhora das
Missões, no Pará) era o maior inimigo do ministro entre os jesuítas.
Condenado, o religioso foi enforcado e queimado em 21 de setembro de
1761. Mesmo fora de Portugal, a ordem religiosa não foi deixada em paz
por Pombal: continuou sofrendo com seus ataques, agora no campo
diplomático. Em 1773, a Companhia de Jesus acabou extinta pelo papa
Clemente XIV. Ela seria restabelecida em 1814, mas sem o mesmo poder
político de antes.
Saiba mais
Livros
Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo, Kenneth Maxwell, Paz e
Terra, 1996 - Maxwell é um dos “brasilianistas” mais influentes da
atualidade. Neste livro, ele procura mostrar como Pombal modernizou, com
mão de ferro, Portugal e Brasil.
O Marquês de Pombal e a sua Época, João Lúcio de Azevedo, Alameda ,
2004 - O autor, português, viveu muitos anos no Brasil. Esta biografia,
cuja mais recente edição foi publicada pelos autores desta matéria, é
considerada um clássico entre os especialistas.
O Mal sobre a Terra, Mary del Priore, Topbooks, 2003 - A visão de uma
historiadora brasileira sobre o terremoto que abalou Lisboa e suas consequências.
Fonte: Aventuras na História
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