Nesta terça, é celebrado o bicentenário de morte do artista barroco.
Estudiosos ainda buscam informações sobre a vida do mestre.
Pintura considerada 'retrato' de Aleijadinho, exposta no Museu Mineiro, em Belo Horizonte (Foto: Reprodução/TV Globo)
Nascido em Cachoeira do Campo, distrito em Ouro Preto,
na primeira metade do século XVIII, Antônio Francisco Lisboa mudou a
história da arte no Brasil. Nesta terça-feira (18), celebra-se o
bicentenário de morte de Mestre Aleijadinho, como ficou mundialmente
conhecido pela deficiência que o acometeu até a morte.
Boa parte da produção artística da oficina de mestre Aleijadinho está
concentrada na cidade histórica de Ouro Preto. Mas, está em Congonhas
o conjunto do Santuário do Bom Jesus do Matosinhos, com os doze
profetas esculpidos em pedra-sabão e os seis passos da Paixão de Cristo.
Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto, arquitetada
por Aleijadinho (Foto: Pedro Ângelo/G1)
por Aleijadinho (Foto: Pedro Ângelo/G1)
Entre os ícones da produção do artista está a Igreja de São Francisco
de Assis, arquitetada por ele em 1766, além de ter detalhes também de
autoria da oficina, como o altar-mor, o retábulo, o frontispício e a
fonte-lavabo da sacristia.
Em 1767, morreu seu pai, o arquiteto português Manoel Francisco Lisboa.
Mas, como Aleijadinho não era filho legítimo, não foi contemplado no
testamento.
Em 1777, Aleijadinho vai à cidade do Rio de Janeiro, para um processo
judicial de reconhecimento de paternidade de seu filho, que leva o mesmo
nome do avô, Manoel Francisco Lisboa, com uma escrava forra, assim como
sua mãe o era quando o mestre nasceu, chamada Narciza Rodrigues da
Conceição.
Neste mesmo ano, é detectada uma doença grave, que lhe deforma o corpo e
os membros, principalmente as mãos. O apelido Aleijadinho é dado ao
artista por causa desta enfermidade, que o faz trabalhar de joelhos após
perder os dedos dos pés.
Profeta Oséias, no Santuário Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas (Foto: Pedro Ângelo/G1)
Apesar da doença, o mestre artífice continua trabalhando em sua
oficina. Em 1800, o artista trabalhava na execução das estátuas em
pedra-sabão dos profetas, localizadas no adro do Santuário de Bom Jesus
de Matosinhos, em Congonhas. Os seis passos da Paixão de Cristo,
representados nas capelas em frente ao Santuário, também foram
construídos nesta época, também pela oficina do mestre Aleijadinho.
Os profetas e a Paixão de Cristo, em Congonhas, e a Igreja de São
Francisco de Assis, em Ouro Preto, são reconhecidas como as maiores
obras do artífice. Aleijadinho deixou para a posteridade, ainda,
capelas, igrejas, ornamentações em várias cidades como Sabará, São João
Del Rei, Tiradentes, Caeté, Mariana, Felixlândia, Matosinhos, Barão de
Cocais e São Paulo (capital), com peças hoje no Palácio dos
Bandeirantes.
Anjos no frontispício da Igreja de São Francisco de Assis,
esculpidos por Aleijadinho (Foto: Pedro Ângelo/G1)
esculpidos por Aleijadinho (Foto: Pedro Ângelo/G1)
Trabalho
Mesmo sem a herança do pai, por ser filho bastardo, Aleijadinho teve uma vida confortável com os rendimentos de sua oficina. À época, era uma prática comum que mestres de ofícios como ele tivessem “escritórios” com funcionários para executar os projetos contratados. Com Aleijadinho não era diferente. Ele mantinha oficiais, que eram artesãos em nível intermediário, e aprendizes, inclusive seu irmão caçula, padre Felix Antônio Lisboa. Todos eles reproduziam as técnicas usadas pelo mestre para que as obras à sua semelhança.
Esta equipe que trabalhou com o Aleijadinho explica o grande número de
obras produzidas pelo mestre, que provavelmente não seria possível se
ele trabalhasse só. Esta grande produção, que chegou a ser tema de
contestação sobre o “mito” do barroco, é explicada pelas diversas
pessoas que trabalharam com ele. Em uma das obras de Sabará, cidade
histórica na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi encontrado um
contrato de trabalho da oficina de Aleijadinho, onde ele relaciona o
número de jornais [jornadas de trabalho] e três oficiais e três
aprendizes para tal empreitada.
O promotor de patrimônio Cultural do Ministério Público de Minas
Gerais, Marcos Paulo Souza de Miranda, um dos estudiosos da vida do
mestre Aleijadinho, verificou em sua pesquisa que o artífice sabia
cobrar pela sua obra. À época, o trabalho dos artífices não tinha tanto
valor cultural quanto ornamental. Ainda assim, Aleijadinho não regateava
e não costumava aceitar menos do que o valor estipulado por ele para
qualquer trabalho.
“Aleijadinho, exatamente pela condição, pela capacidade de produzir
obras belíssimas e muito refinadas, ele era o mais requisitado,
principalmente pelas irmandades que se rivalizavam na época, que eram os
carmelitas e os franciscanos. A ponte de, quando ele foi chamado pela
Irmandade do Carmo, de Sabará para um determinado trabalho, ele exigiu
como pagamento uma oitava de ouro por dia. E a irmandade achou caro
demais e contratou um outro artífice, que era um artífice famosíssimo em
Minas Gerais. Ou seja, era uma pessoa que sabia dar valor ao seu
próprio trabalho”, disse o promotor.
Primeira biografia
A primeira biografia sobre Aleijadinho, escrita em 1858 por Rodrigo José Ferreira Bretas, traz muitas informações sobre o mestre. Algumas delas estão desatualizadas em relação a novos estudos, como a data de nascimento, mas o relato ainda é muito importante para entender a vida de Aleijadinho. O livro se baseou em uma entrevista que o autor fez com Joana, nora de Aleijadinho, que o acolheu em seus dois últimos anos de vida, já bastante doente.
“Antônio Francisco Lisboa nasceu a 29 de agosto de 1730 no arrabalde
desta cidade que se denomina – o Bom Sucesso, pertencente à freguesia de
Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias. Filho natural de Manuel
Francisco da Costa Lisboa, distinto arquiteto português, teve por mãe
uma africana, ou crioula, de nome Isabel, e escrava do mesmo Lisboa que o
libertou por ocasião de fazê-lo batizar.”
O homem
“Antônio Francisco era pardo escuro, tinha a voz forte, a fala arrebatada e o gênio agastado; a estatura era baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumosa; o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto; a testa larga, o nariz retangular e algum tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes e o pescoço curto. Sabia ler e escrever, e não consta que tivesse frequentado alguma outra aula além da de primeiras letras, embora alguém julgue provável que tivesse frequentado a de latim.”
Detalhe da cena da subida ao calvário, nas cenas da Paixão de Cristo, em Congonhas (Foto: Pedro Ângelo/G1)
Talento
“O conhecimento que tinha do desenho, de arquitetura e escultura fora obtido na escola prática de seu pai e, talvez, na do desenhista pintor João Gomes Batista que, na corte do Rio de Janeiro, recebera as lições do acreditado artista Vieira, e era empregado como abridor de cunhos das casas de fundição de ouro desta capital.”
Doença
“O certo é que, ou por ter negligenciado a cura do mal no seu começo, ou pela força invencível do mesmo, Antônio Francisco perdeu todos os dedos dos pés, do que resultou não poder andar senão de joelhos; os das mãos atrofiaram-se e curvaram, e mesmo chegaram a cair, restando-lhe somente, e ainda assim quase sem movimento, os polegares e os índices. As fortíssimas dores que de continuo sofria nos dedos e a acrimônia do seu humor colérica o levou, por vezes, ao excesso de corta-los ele próprio, servindo-se do formão com que trabalhava! As pálpebras inflamaram-se e, permanecendo nesse estado, ofereciam à vista sua parte interior; perdeu quase todos os dentes e a boca entortou-se como sucede frequentemente ao estuporado, o queixo e o lábio inferior abateram-se um pouco; assim o olhar infeliz adquiriu certa expressão sinistra e de ferocidade, que chegava mesmo a assustar a quem quer que o encarasse inopinadamente. Esta circunstância e a tortura da boca o tornavam de um aspecto asqueroso e medonho.”
O corpo de Aleijadinho está sepultado na Matriz Nossa Senhora da
Conceição, no bairro de Antônio Dias, em Ouro Preto, em uma sepultura
contígua ao altar da Senhora da Boa Morte, de cuja irmandade foi juiz.
* Produção - Juliana Perdigão
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