Durante 13 dias, em outubro de 1962, o mundo esteve muito perto de uma guerra nuclear
Tiago Cordeiro.
Na noite de 27 de outubro de 1962, o secretário de defesa
americano Robert McNamara deixava o Salão Oval da Casa Branca, em
Washington, em direção à rua. “Estava uma noite linda, perfeita”, ele
comentaria, 36 anos depois. “Enquanto caminhava olhando para o céu,
comecei a pensar se eu viveria para ver mais uma noite de sábado.”
McNamara tinha motivos sérios para acreditar que o mundo poderia acabar
em menos de uma semana. No dia anterior, um míssil terra-ar soviético
disparado de Cuba derrubou um avião espião americano modelo U2. O
procedimento pré-combinado para casos assim era claro: os Estados Unidos
deveriam contra-atacar imediatamente. Mas o presidente John F. Kennedy
ordenou que nada fosse feito enquanto ele não fizesse um novo contato
com o dirigente máximo do Partido Comunista soviético, Nikita Khruschev.
Naquele mesmo dia, o líder cubano Fidel Castro, em Havana, mostrava-se
preocupado: “Se Cuba entrar nesta batalha, vamos desaparecer do mapa”.
Para entender como foi possível que uma guerra atômica estivesse
prestes a começar e mísseis nucleares soviéticos estivessem apontados
para o território americano a menos de 100 quilômetros da Flórida é
preciso recuar três anos. No dia 10 de março de 1959, o Conselho de
Segurança Nacional dos Estados Unidos aprovou um plano para provocar a
deposição de Fidel, que havia assumido o poder dois meses antes. Naquele
momento, o dirigente cubano ainda buscava se aproximar dos americanos.
Em abril daquele ano, ele fez uma visita a Washington, disposto a se
encontrar com o presidente Dwight Eisenhower – que cancelou a reunião
para assistir a um torneio de golfe. Em outubro, Fidel declarava-se
simpático ao comunismo e, em março de 1960, assinava com a União
Soviética o primeiro acordo comercial. Em abril de 1961, o plano
americano de ataque à ilha era colocado em prática.
Fiasco americano
Em 1959, Eisenhower liberou 13 milhões de dólares para que sua
agência de espionagem, a CIA, construísse um campo de treinamento
terrorista na Guatemala. A escolha do local não era aleatória. Em 1954, o
governo americano havia financiado o golpe que derrubou o presidente de
esquerda Jacob Arbenz Guzmán. A ideia era repetir em Cuba a mesma
estratégia: dissidentes nativos, financiados e treinados pela CIA,
iniciariam um movimento popular local que forçaria o governante a
renunciar. Ao assumir a presidência, em janeiro de 1961, Kennedy manteve
o plano, mas, para evitar que o grupo de exilados cubanos ficasse muito
diretamente vinculado a Washington, mudou um pouco a estratégia. A área
de desembarque das tropas foi transferida dos arredores da cidade de
Trinidad, na parte central da ilha, para a baía dos Porcos, mais próxima
a Havana – mas mais distante da pequena base de apoio rebelde dentro da
ilha.
Na madrugada de 15 de abril, oito bombardeiros B-26B atacaram três
aeroportos da região. O ataque só inutilizou três dos 16 aviões cubanos
disponíveis na área. Dois dias depois, 1,5 mil homens desembarcaram sem
cobertura aérea. Começaram então as batalhas em terra, com os cubanos
usando tanques russos, e por ar, com a CIA enviando quatro aviões
equipados com napalm. Acontece que a rebelião popular que os americanos
esperavam não aconteceu. A 21 de abril, o exército cubano, que contava
com 50 mil homens, derrotou os rebeldes em definitivo. Apenas 115 haviam
sido mortos, e todos os demais foram capturados. Estima-se que 1,5 mil
homens do exército cubano tenham morrido. Em maio, Fidel declarou que
tinha se tornado marxista-leninista convicto e que, a partir daquele
momento, Cuba era uma república socialista. Os invasores seriam
repatriados para os Estados Unidos 20 meses depois, em troca de 53
milhões de dólares em comida e medicamentos do governo americano.
Pela primeira vez em sua história, os Estados Unidos sofriam uma
derrota militar em território latino-americano. “Essa ação foi um dos
maiores erros da história da CIA. Criou o mito em torno da figura de
Fidel e jogou o comandante nos braços da União Soviética”, afirma o
historiador americano Philip Brenner, professor de relações
internacionais da American University, em Washington. Em consequência do
fiasco, três diretores da CIA, Allen Dulles, Charles Cabell e Richard
Bissel, renunciaram.
Tensão permanente
O incidente da baía dos Porcos mudou a estratégia americana. O
objetivo passou a ser assassinar Fidel. Mas, para sustentar o clima de
tensão, Washington deixou vazar a informação de que mantinha 40 mil
marines preparados para agir a qualquer momento. Esse medo constante de
que os americanos atacariam novamente estreitou os laços militares de
Fidel com a União Soviética. Ciente de que seu país demoraria pelo menos
uma década para alcançar a tecnologia americana em mísseis de longo
alcance, Khruschev começou a despachar para Cuba seus artefatos de médio
alcance. “Por que não jogar um ouriço dentro da calça de Tio Sam?”, ele
dizia a seus subordinados. Os Estados Unidos haviam aberto um
precedente em 1961, quando instalaram na Turquia 15 mísseis Jupiter
IRBM, capazes de atingir Moscou em 16 minutos. Em julho de 1962, a
primeira leva de 150 navios soviéticos, carregados com ogivas nucleares e
43 mil soldados, desembarcou em Havana. Era a primeira vez que os
russos operavam armamento nuclear fora de seu território.
A CIA passou a monitorar a movimentação marítima soviética com mais
atenção, até que, no dia 14 de outubro um avião U-2 fotografou uma
estrutura militar capaz de armazenar e lançar mísseis balísticos SS-4.
Às 8h45 de 16 de outubro, Kennedy recebeu a informação de que os
armamentos eram soviéticos e seriam capazes de alcançar cidades do porte
de Washington e Nova York. O gabinete de emergência criado pelo
presidente posicionou-se a favor de um ataque aéreo maciço contra Cuba.
Mas o conselheiro Robert Kennedy, irmão do presidente, argumentou que
essa reação poderia estimular os soviéticos a invadir Berlim Ocidental –
afinal, a crise em torno da posse do canal de Suez, em 1956, foi o
pretexto necessário para que Moscou tomasse a Hungria. O conselho acabou
aprovando um bloqueio naval a Cuba, acompanhado de preparativos
militares para a possibilidade de uma invasão. Na noite de 18 de
outubro, Kennedy falou em cadeia nacional de televisão: “Conclamo
Khruschev a interromper essa ameaça clandestina e provocativa à paz
mundial. Ele tem agora a oportunidade de tirar o mundo de perto deste
abismo de destruição”. Alegando que o armamento era apenas preventivo
para o caso de uma tentativa de invasão, Khruschev manteve-se
irredutível. E ainda criticou o bloqueio americano em águas
internacionais, não aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Concessões e paz
No dia 24, o Comando Estratégico da Aeronáutica americana elevou,
pela primeira vez em sua história, o nível de atenção para a condição 2.
O passo seguinte seria o estado de guerra. Na manhã seguinte, Kennedy
ordenou a interceptação do primeiro navio soviético, o Bucharest. Como
só carregava combustível, ele acabou sendo liberado. No dia 26, um
telegrama de Khruschev oferecia trégua, desde que os Estados Unidos se
comprometessem a não invadir Cuba. Horas depois, um novo texto, um pouco
mais duro, fazia uma nova exigência: a retirada dos mísseis da Turquia.
Enquanto o comando de Kennedy debatia a proposta, chegou a informação
da derrubada do avião U-2 em solo cubano. Era sábado, e McNamara já
começava a olhar para as estrelas com saudades.
No domingo, uma visita do conselheiro Robert Kennedy ao embaixador
soviético em Washington, Anatoly Dobrynin, deu início ao fim da crise.
Robert propôs que os americanos aceitassem a exigência em relação à
Turquia, desde que a retirada fosse mantida em segredo – e, assim, os
países europeus do lado ocidental da Cortina de Ferro não passassem a
achar que os EUA estavam dispostos a abrir mão dos aliados para se
defender. Khruschev concordou e desmontou sua estrutura militar em Cuba.
A paz foi rapidamente restabelecida. “Ninguém ficou satisfeito com o
acordo”, afirma o professor Brenner. “Khruschev ficou enfraquecido
dentro do partido e perdeu o poder dois anos depois. Kennedy deixou
alguns militares linha-dura insatisfeitos, e eles acabariam forçando um
ataque ao Vietnã. E Fidel se sentiu usado, porque os soviéticos foram
embora sem avisar”. Dos três protagonistas da crise, apenas o comandante
cubano continua vivo e no poder.
O “telefone vermelho”
No auge da crise dos mísseis, um comunicado de 3 mil palavras de
Nikita Khruschev para John Kennedy demorou 12 horas para chegar à
embaixada russa em Washington. Dali, foi despachado para a Casa Branca
por um mensageiro de bicicleta. Só então os americanos puderam
decodificar e traduzir o texto. Depois que a tensão diminuiu, o
comandante soviético sugeriu a criação de uma linha direta, para ser
usada em situações de emergência e evitar que uma falha de comunicação
colocasse em risco a frágil estabilidade política mundial. Em 20 de
junho de 1963, os dois países assinaram em Genebra um memorando que
estipulava o estabelecimento de um “circuito de telégrafos passando por
Washington-Londres-Copenhague-Estocolmo-Helsinque-Moscou”. O novo
sistema, que ligava o Kremlin ao Pentágono, permitia que uma página de
mensagem levasse apenas três minutos para ser gerada. O famoso “telefone
vermelho” – que não era telefone e nunca foi colorido – foi usado pela
primeira vez em 5 de junho de 1967, no começo da Guerra dos Seis Dias.
Em um momento em que as Marinhas soviética e americana se aproximavam
perigosamente do mar Mediterrâneo, o premiê russo, Alexei Kosygin,
entrou em contato com o presidente Lyndon Johnson.
Em 1971, a comunicação tornou-se mais eficiente, com a instalação de
um telefone via satélite. A partir de 1986, os dois governos passaram a
usar a linha vermelha para trocar mapas e documentos. Desde 2003, ela
tem sido usada com frequência pelos presidentes George W. Bush e
Vladimir Putin.
A era da espionagem
No dia em que 1,5 mil homens desembarcaram na Baía dos Porcos, os
cubanos já os esperavam. Duas semanas antes da invasão, espiões do
serviço secreto soviético, a KGB, sabiam quando, onde e como aconteceria
o ataque. Por outro lado, a CIA estava muito mal informada. Espiões
russos infiltrados em Cuba fizeram com que os Estados Unidos
acreditassem na força dos grupos de resistência ao comandante Fidel –
que, na verdade, não existiam mais. Quando financiou e treinou os
militantes que iriam invadir a ilha, a CIA tinha certeza que a simples
tentativa de ataque serviria de estopim para uma revolta popular.
Em uma guerra não-declarada, o acesso às informações era mais
importante que nunca. Não por acaso, tanto a CIA quanto a KGB foram
criadas logo depois do fim da Segunda Guerra e estiveram no auge até a
década de 1980. A americana Agência Central de Inteligência surgiu em
1947, por ordem do presidente Harry Truman. Entre suas funções, listadas
em junho do ano seguinte, estava “realizar ações preventivas, incluindo
sabotagem, contra Estados hostis, e apoiar grupos anticomunistas
locais”.
Já a KGB, sigla em russo para Comitê de Segurança do Estado, foi
criada em 1954 e tornou-se uma das maiores organizações espiãs da
história. Foi com a ajuda da espionagem que Moscou conseguiu pular
etapas e construir sua bomba atômica e o avião Tupolev Tu-144, a versão
russa do Concorde. Alguns espiões infiltrados no campo inimigo ficaram
famosos. Foi graças ao russo Yuri Nosenko que os americanos
identificaram e prenderam agentes russos infiltrados em embaixadas
americanas e de vários países da Europa. Sozinho, outro espião, Aldrich
Ames, foi responsável pela prisão de 30 agentes da CIA. Dez deles
acabaram sendo executados.
Para saber mais
Filme
Sob a Névoa da Guerra, Estados Unidos, 2003
Documentário dirigido por Errol Morris conta a vida de Robert McNamara, secretário de Defesa Americana entre 1961 e 1968.
Livros
Battleground Berlin: CIA vs. KGB in the Cold War, David E. Murphy e Sergei A. Kondrashev, Yale University Press, 1999
Dois oficiais de inteligência, um russo e um americano, narram a história das duas agências na Guerra Fria.
História da Guerra Fria, John Lewis Gaddis, Nova Fronteira, 2006
De forma didática, o professor de História em Yale analisa a Guerra Fria do começo ao fim.
Fidel Castro – Biografia a Duas Vozes, Ignacio Ramonet, Boitempo Editorial, 2006
Ao contar a história da vida do comandante cubano, Ramonet narra em detalhes os preparativos para rechaçar a invasão americana.
Fonte: Aventuras na História
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