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sábado, 22 de novembro de 2014

A Crise Dos Mísseis

Durante 13 dias, em outubro de 1962, o mundo esteve muito perto de uma guerra nuclear

Tiago Cordeiro.

Na noite de 27 de outubro de 1962, o secretário de defesa americano Robert McNamara deixava o Salão Oval da Casa Branca, em Washington, em direção à rua. “Estava uma noite linda, perfeita”, ele comentaria, 36 anos depois. “Enquanto caminhava olhando para o céu, comecei a pensar se eu viveria para ver mais uma noite de sábado.” McNamara tinha motivos sérios para acreditar que o mundo poderia acabar em menos de uma semana. No dia anterior, um míssil terra-ar soviético disparado de Cuba derrubou um avião espião americano modelo U2. O procedimento pré-combinado para casos assim era claro: os Estados Unidos deveriam contra-atacar imediatamente. Mas o presidente John F. Kennedy ordenou que nada fosse feito enquanto ele não fizesse um novo contato com o dirigente máximo do Partido Comunista soviético, Nikita Khruschev. Naquele mesmo dia, o líder cubano Fidel Castro, em Havana, mostrava-se preocupado: “Se Cuba entrar nesta batalha, vamos desaparecer do mapa”.

Para entender como foi possível que uma guerra atômica estivesse prestes a começar e mísseis nucleares soviéticos estivessem apontados para o território americano a menos de 100 quilômetros da Flórida é preciso recuar três anos. No dia 10 de março de 1959, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos aprovou um plano para provocar a deposição de Fidel, que havia assumido o poder dois meses antes. Naquele momento, o dirigente cubano ainda buscava se aproximar dos americanos. Em abril daquele ano, ele fez uma visita a Washington, disposto a se encontrar com o presidente Dwight Eisenhower – que cancelou a reunião para assistir a um torneio de golfe. Em outubro, Fidel declarava-se simpático ao comunismo e, em março de 1960, assinava com a União Soviética o primeiro acordo comercial. Em abril de 1961, o plano americano de ataque à ilha era colocado em prática.

Fiasco americano

Em 1959, Eisenhower liberou 13 milhões de dólares para que sua agência de espionagem, a CIA, construísse um campo de treinamento terrorista na Guatemala. A escolha do local não era aleatória. Em 1954, o governo americano havia financiado o golpe que derrubou o presidente de esquerda Jacob Arbenz Guzmán. A ideia era repetir em Cuba a mesma estratégia: dissidentes nativos, financiados e treinados pela CIA, iniciariam um movimento popular local que forçaria o governante a renunciar. Ao assumir a presidência, em janeiro de 1961, Kennedy manteve o plano, mas, para evitar que o grupo de exilados cubanos ficasse muito diretamente vinculado a Washington, mudou um pouco a estratégia. A área de desembarque das tropas foi transferida dos arredores da cidade de Trinidad, na parte central da ilha, para a baía dos Porcos, mais próxima a Havana – mas mais distante da pequena base de apoio rebelde dentro da ilha.

Na madrugada de 15 de abril, oito bombardeiros B-26B atacaram três aeroportos da região. O ataque só inutilizou três dos 16 aviões cubanos disponíveis na área. Dois dias depois, 1,5 mil homens desembarcaram sem cobertura aérea. Começaram então as batalhas em terra, com os cubanos usando tanques russos, e por ar, com a CIA enviando quatro aviões equipados com napalm. Acontece que a rebelião popular que os americanos esperavam não aconteceu. A 21 de abril, o exército cubano, que contava com 50 mil homens, derrotou os rebeldes em definitivo. Apenas 115 haviam sido mortos, e todos os demais foram capturados. Estima-se que 1,5 mil homens do exército cubano tenham morrido. Em maio, Fidel declarou que tinha se tornado marxista-leninista convicto e que, a partir daquele momento, Cuba era uma república socialista. Os invasores seriam repatriados para os Estados Unidos 20 meses depois, em troca de 53 milhões de dólares em comida e medicamentos do governo americano.

Pela primeira vez em sua história, os Estados Unidos sofriam uma derrota militar em território latino-americano. “Essa ação foi um dos maiores erros da história da CIA. Criou o mito em torno da figura de Fidel e jogou o comandante nos braços da União Soviética”, afirma o historiador americano Philip Brenner, professor de relações internacionais da American University, em Washington. Em consequência do fiasco, três diretores da CIA, Allen Dulles, Charles Cabell e Richard Bissel, renunciaram.

Tensão permanente

O incidente da baía dos Porcos mudou a estratégia americana. O objetivo passou a ser assassinar Fidel. Mas, para sustentar o clima de tensão, Washington deixou vazar a informação de que mantinha 40 mil marines preparados para agir a qualquer momento. Esse medo constante de que os americanos atacariam novamente estreitou os laços militares de Fidel com a União Soviética. Ciente de que seu país demoraria pelo menos uma década para alcançar a tecnologia americana em mísseis de longo alcance, Khruschev começou a despachar para Cuba seus artefatos de médio alcance. “Por que não jogar um ouriço dentro da calça de Tio Sam?”, ele dizia a seus subordinados. Os Estados Unidos haviam aberto um precedente em 1961, quando instalaram na Turquia 15 mísseis Jupiter IRBM, capazes de atingir Moscou em 16 minutos. Em julho de 1962, a primeira leva de 150 navios soviéticos, carregados com ogivas nucleares e 43 mil soldados, desembarcou em Havana. Era a primeira vez que os russos operavam armamento nuclear fora de seu território.

A CIA passou a monitorar a movimentação marítima soviética com mais atenção, até que, no dia 14 de outubro um avião U-2 fotografou uma estrutura militar capaz de armazenar e lançar mísseis balísticos SS-4. Às 8h45 de 16 de outubro, Kennedy recebeu a informação de que os armamentos eram soviéticos e seriam capazes de alcançar cidades do porte de Washington e Nova York. O gabinete de emergência criado pelo presidente posicionou-se a favor de um ataque aéreo maciço contra Cuba. Mas o conselheiro Robert Kennedy, irmão do presidente, argumentou que essa reação poderia estimular os soviéticos a invadir Berlim Ocidental – afinal, a crise em torno da posse do canal de Suez, em 1956, foi o pretexto necessário para que Moscou tomasse a Hungria. O conselho acabou aprovando um bloqueio naval a Cuba, acompanhado de preparativos militares para a possibilidade de uma invasão. Na noite de 18 de outubro, Kennedy falou em cadeia nacional de televisão: “Conclamo Khruschev a interromper essa ameaça clandestina e provocativa à paz mundial. Ele tem agora a oportunidade de tirar o mundo de perto deste abismo de destruição”. Alegando que o armamento era apenas preventivo para o caso de uma tentativa de invasão, Khruschev manteve-se irredutível. E ainda criticou o bloqueio americano em águas internacionais, não aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Concessões e paz

No dia 24, o Comando Estratégico da Aeronáutica americana elevou, pela primeira vez em sua história, o nível de atenção para a condição 2. O passo seguinte seria o estado de guerra. Na manhã seguinte, Kennedy ordenou a interceptação do primeiro navio soviético, o Bucharest. Como só carregava combustível, ele acabou sendo liberado. No dia 26, um telegrama de Khruschev oferecia trégua, desde que os Estados Unidos se comprometessem a não invadir Cuba. Horas depois, um novo texto, um pouco mais duro, fazia uma nova exigência: a retirada dos mísseis da Turquia. Enquanto o comando de Kennedy debatia a proposta, chegou a informação da derrubada do avião U-2 em solo cubano. Era sábado, e McNamara já começava a olhar para as estrelas com saudades.

No domingo, uma visita do conselheiro Robert Kennedy ao embaixador soviético em Washington, Anatoly Dobrynin, deu início ao fim da crise. Robert propôs que os americanos aceitassem a exigência em relação à Turquia, desde que a retirada fosse mantida em segredo – e, assim, os países europeus do lado ocidental da Cortina de Ferro não passassem a achar que os EUA estavam dispostos a abrir mão dos aliados para se defender. Khruschev concordou e desmontou sua estrutura militar em Cuba. A paz foi rapidamente restabelecida. “Ninguém ficou satisfeito com o acordo”, afirma o professor Brenner. “Khruschev ficou enfraquecido dentro do partido e perdeu o poder dois anos depois. Kennedy deixou alguns militares linha-dura insatisfeitos, e eles acabariam forçando um ataque ao Vietnã. E Fidel se sentiu usado, porque os soviéticos foram embora sem avisar”. Dos três protagonistas da crise, apenas o comandante cubano continua vivo e no poder.

O “telefone vermelho”

No auge da crise dos mísseis, um comunicado de 3 mil palavras de Nikita Khruschev para John Kennedy demorou 12 horas para chegar à embaixada russa em Washington. Dali, foi despachado para a Casa Branca por um mensageiro de bicicleta. Só então os americanos puderam decodificar e traduzir o texto. Depois que a tensão diminuiu, o comandante soviético sugeriu a criação de uma linha direta, para ser usada em situações de emergência e evitar que uma falha de comunicação colocasse em risco a frágil estabilidade política mundial. Em 20 de junho de 1963, os dois países assinaram em Genebra um memorando que estipulava o estabelecimento de um “circuito de telégrafos passando por Washington-Londres-Copenhague-Estocolmo-Helsinque-Moscou”. O novo sistema, que ligava o Kremlin ao Pentágono, permitia que uma página de mensagem levasse apenas três minutos para ser gerada. O famoso “telefone vermelho” – que não era telefone e nunca foi colorido – foi usado pela primeira vez em 5 de junho de 1967, no começo da Guerra dos Seis Dias. Em um momento em que as Marinhas soviética e americana se aproximavam perigosamente do mar Mediterrâneo, o premiê russo, Alexei Kosygin, entrou em contato com o presidente Lyndon Johnson.

Em 1971, a comunicação tornou-se mais eficiente, com a instalação de um telefone via satélite. A partir de 1986, os dois governos passaram a usar a linha vermelha para trocar mapas e documentos. Desde 2003, ela tem sido usada com frequência pelos presidentes George W. Bush e Vladimir Putin.

A era da espionagem

No dia em que 1,5 mil homens desembarcaram na Baía dos Porcos, os cubanos já os esperavam. Duas semanas antes da invasão, espiões do serviço secreto soviético, a KGB, sabiam quando, onde e como aconteceria o ataque. Por outro lado, a CIA estava muito mal informada. Espiões russos infiltrados em Cuba fizeram com que os Estados Unidos acreditassem na força dos grupos de resistência ao comandante Fidel – que, na verdade, não existiam mais. Quando financiou e treinou os militantes que iriam invadir a ilha, a CIA tinha certeza que a simples tentativa de ataque serviria de estopim para uma revolta popular.

Em uma guerra não-declarada, o acesso às informações era mais importante que nunca. Não por acaso, tanto a CIA quanto a KGB foram criadas logo depois do fim da Segunda Guerra e estiveram no auge até a década de 1980. A americana Agência Central de Inteligência surgiu em 1947, por ordem do presidente Harry Truman. Entre suas funções, listadas em junho do ano seguinte, estava “realizar ações preventivas, incluindo sabotagem, contra Estados hostis, e apoiar grupos anticomunistas locais”.

Já a KGB, sigla em russo para Comitê de Segurança do Estado, foi criada em 1954 e tornou-se uma das maiores organizações espiãs da história. Foi com a ajuda da espionagem que Moscou conseguiu pular etapas e construir sua bomba atômica e o avião Tupolev Tu-144, a versão russa do Concorde. Alguns espiões infiltrados no campo inimigo ficaram famosos. Foi graças ao russo Yuri Nosenko que os americanos identificaram e prenderam agentes russos infiltrados em embaixadas americanas e de vários países da Europa. Sozinho, outro espião, Aldrich Ames, foi responsável pela prisão de 30 agentes da CIA. Dez deles acabaram sendo executados.
  
Para saber mais

Filme
Sob a Névoa da Guerra, Estados Unidos, 2003
Documentário dirigido por Errol Morris conta a vida de Robert McNamara, secretário de Defesa Americana entre 1961 e 1968.

Livros
Battleground Berlin: CIA vs. KGB in the Cold War, David E. Murphy e Sergei A. Kondrashev, Yale University Press, 1999
Dois oficiais de inteligência, um russo e um americano, narram a história das duas agências na Guerra Fria.

História da Guerra Fria, John Lewis Gaddis, Nova Fronteira, 2006
De forma didática, o professor de História em Yale analisa a Guerra Fria do começo ao fim.

Fidel Castro – Biografia a Duas Vozes, Ignacio Ramonet, Boitempo Editorial, 2006
Ao contar a história da vida do comandante cubano, Ramonet narra em detalhes os preparativos para rechaçar a invasão americana.

Fonte: Aventuras na História

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